terça-feira, abril 25, 2006

O Sonho de Francisco Goya e Lucientes, pintor e visionário



«Na noite de 1 de Maio de 1820, enquanto a sua loucura intermitente o visitava, Francisco Goya e Lucientes, pintor e visionário, teve um sonho.
Sonhou que estava debaixo de uma árvore com a sua amante de juventude. Era o campo austero de Aragão, e o sol ia alto. A sua amante estava num baloiço e ele empurrava-a. A sua amante tinha uma sombrinha de renda e ria com risadas breves e nervosas. Depois a sua amante caiu na relva e ele seguiu-a aos trambolhões. Rebolaram pelas encostas da colina abaixo, aré que chegaram a um muro amarelo. Debruçaram-se no muro e viram soldados, iluminados por uma lanterna, que estavam a fuzilar uns homens. A lanterna era incongruente, naquela paisagem ensolarada, mas iluminava lividamente a cena. Os soldados dispararam e os homens caíram por cima das poças do seu sangue. Então Francisco Goya e Lucientes tirou o pincel de pintor que trazia à cinta e avançou brandindo-o ameaçadoramente. Os soldados, como por encanto, desapareceram, espantados com aquela aparição. E no lugar deles surgiu um gigante horrendo que estava a devorar uma perna humana. Tinha os cabelos sujos e a face lívida, dois fios de sangue escorriam-lhe dos cantos da boca, os seus olhos estavam embaciados, mas ria.
Quem és?, perguntou-lhe Francisco Goya e Lucientes.
O gigante limpou a boca e disse: sou o monstro que domina a humanidade, a História é minha mãe. *
Francisco Goya e Lucientes deu um passo e bradiu o seu pincel. O gigante desapareceu e no seu lugar apareceu uma velha. Era uma megera desdentada, com pele de pregaminho e os olhos amarelos.
Quem és?, perguntou-lhe Francisco Goya e Lucientes. Sou a desilusão, disse a velha, e domino o mundo, porque todos os sonhos humanos são sonhos breves. *
Francisco Goya e Lucientes deu um passo e brandiu o seu pincel. A velha desapareceu e no seu lugar surgiu um cão. Era um cão pequeno enterrado na areia, só com a cabeça de fora.
Quem és?, perguntou-lhe Francisco Goya e Lucientes.
O cão levantou o pescoço e disse: sou a fera do desespero e troço das tuas penas. *
Francisco Goya e Lucientes deu um passo e brandiu o pincel. O cão desapareceu e no seu lugar apareceu um homem. Era um velho gordo, com um rosto flácido e infeliz.
Quem és?, perguntou Francisco Goya e Lucientes.
O homem fez um sorriso cansado e disse: sou Francisco Goya e Lucientes, contra mim nada podes. *
E naquele momento Francisco Goya e Lucientes acordou e encontrou-se sozinho na sua cama.»
Antonio Tabucchi, Rêves de rêves ed. 10/18 - Editions Christian Bourgois
p.s.: Gracias Kinki.

5 Bombadas­:

Anonymous Anónimo acrescenta que...

Quem somos?

Abraço! :)

2:43 da tarde, abril 27, 2006  
Anonymous Anónimo acrescenta que...

Quem fui descobrir para aqui! Lol
Escreves tanto como falas;)

Beijinhos ó desaparecido

7:56 da tarde, abril 27, 2006  
Blogger Goiaoia acrescenta que...

Mariny, pelos vistos conheces-me. E de gingeira.
O desaparecido continua a arrastar-se pelos sítios do costume... Tu é que num procuras bem.

9:21 da tarde, abril 27, 2006  
Blogger Mariny acrescenta que...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

9:44 da tarde, abril 27, 2006  
Blogger Goiaoia acrescenta que...

[comment deleted
This post has been removed by the author.
9:44 PM, Abril 27, 2006]

...Mas eu, mais às minhas propriedades de administrador, reponho-o:
«Pois, de gingeira e de vodka de água com gaz!!
Piadinha fácil, tinha que dizer;)
beijinhos».

Definitivamente, conhece-me! É uma béca envergonhada, mas conhece-me.
(Destes anónimos é qu'eu gosto, "ái min", dos que me conhecem.)

10:06 da tarde, abril 27, 2006  

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